
DO OUTRO LADO MORA A POESIA
Sarau da Cooperifa se destaca como quilombo cultural com lançamento de mais três livros e a produção de um documentário
Por Izabela Vasconcelos
“Povo lindo, povo inteligente, é tudo nosso!”. É assim que começa o Sarau da Cooperifa. Sérgio Vaz, idealizador do programa, abre o sarau com essas palavras e centenas de pessoas as repetem. Muitas palmas, muita energia. Atrás do palco a frase: “O silêncio é uma prece”, e é assim que acontece há seis anos, na periferia da zona sul de São Paulo, a noite que reverencia a poesia.
A Cooperifa, Cooperativa de Poesia da Periferia, já lançou 36 livros e um CD com poesias de 26 autores, lançado em 2006 na Pinacoteca do Estado, na 2ª Virada Cultural. Além disso, se prepara para mais três lançamentos. Para o próximo mês o livro: Cooperifa, quilombo da poesia, pela coleção Tramas Urbanas da editora Aeroplano, e o documentário sobre o Sarau, produzido pela DGT Filmes, previsto para o final deste ano.
O livro, produzido por Sérgio Vaz, reúne 40 autores e 80 poemas e deve ser lançado em julho. “O livro começa na periferia dos anos 70, onde praticamente vivíamos numa ilha chamada Piraporinha, e que quando íamos ao centro, a gente falava: 'eu fui na cidade'”, conta Vaz. Outra produção, o livro Rastilho da Pólvora 2, também do idealizador da Cooperifa, deverá ser lançado entre junho e julho.
Márcio Batista é um dos organizadores do sarau e também irá lançar um livro em junho, o “Meninos do Brasil”, produção independente. Para ele, a noite poética tem um papel muito importante na periferia.“O sarau representa uma mudança muito grande na perspectiva de vida e na comunidade. Nós não temos idéia de quantas pessoas o sarau atinge, mas tudo isso é muito gratificante”, afirma.
É no Bar Zé Batidão, do proprietário José Cláudio Rosa, que tudo acontece, são duas horas de poesia, o silêncio só é quebrado pelas palmas calorosas do público ao final de cada poesia. Há dias em que o Sarau, que acontece todas as quartas-feiras, a partir das oito e meia da noite, chega a reunir 400 pessoas. O sarau já quebrou fronteiras, pessoas de várias zonas da cidade, e até de outros estados, vêm conferir a noite de poesia.
A Cooperifa surgiu como um movimento cultural da periferia em uma fábrica abandonada em Taboão da Serra, o sarau veio bem depois. “Logo quando a fábrica, onde a Cooperifa nasceu, fechou, eu e o Marco Pezão fomos conversar com o dono de um bar chamado Garajão, em Taboão da Serra, para a gente se reunir às quartas-feira para falar e ouvir poesia. Nem a gente sabia direito o que era sarau, mas o movimento foi crescendo e aí virou esse monstro que aí está”, explica Vaz.
Estudantes, mecânicos, professores, vigilantes, jovens, adultos e idosos recitam seus poemas. Basta colocar o nome no caderninho. Os assuntos são os mais variados: vida, alienação, fome, cotidiano, racismo, preconceito, entre outros. A maioria escreve suas próprias poesias, alguns decoram e recitam poemas como “Navio Negreiro”, de Castro Alves, ou “Perguntas de um trabalhador que lê”, de Bertold Brecht. A dramatização também faz parte dos recitais.
Personagens e poemas
Maria de Lourdes Peixoto, conhecida como “De Lourdes”, freqüenta o sarau há três anos. Logo que terminou a faculdade de letras, passou a freqüentar o programa e a recitar suas poesias. “O sarau é como um ritual, é uma igreja pra mim. Lá eu vou até doente”, diz ela.
Dona Edith, como é conhecida Edith Marques da Silva, perdeu a visão há oito anos por conta de uma diabetes, agora, com 63, diz que tem mais facilidade para decorar, é assim que ela recita longos poemas de Castro Alves, Cora Coralina e Cecília Meirelles. As sobrinhas, suas aliadas, gravam os poemas em fitas para que ela possa decorar. “Eu me sinto muito bem no sarau, eu sempre gostei de ler, eu adoro poesia”, afirma ela.
“Mulheres, preparem-se”, é assim que Lourival Rodrigues da Silva, ou "Seu Lourival", como é conhecido, é anunciado para recitar. Ele chega com seu papel e começa a declamar poemas românticos mesclados de humor e com um dialeto que ele próprio criou. Tudo isso faz dele uma marca registrada no sarau.
Edmauro de Almeida, o "Cocão", conheceu o sarau através de um amigo, a partir daí não parou de freqüentar. Hoje, escreve poesias, rap e é um dos integrantes do grupo Versão Popular, que faz apresentações de rap em diversas comunidades e centros culturais da capital. Cocão também participou do livro “Rastilho de Pólvora” e de um CD que reuniu poemas de vários autores da Cooperifa.
No final de 2007 a Cooperifa realizou a 1º Semana de Arte Moderna da Periferia, com direito ao Manisfesto da Antropofagia Periférica, escrito por Sérgio Vaz, apresentações musicais, debates e poesia.
Além do sarau, a Cooperifa participa da Poesia de Ruas, evento de rap que acontece toda última quinta-feira do mês na sede da ONG Ação Educativa. Sérgio Vaz também realiza oficinas de poesia em diversas escolas públicas. Este ano a Cooperifa também foi convidada para participar da Virada Cultural. Sérgio Vaz, Cocão, Márcio Batista, Lu Souza, José Neto, Rose, Fuzzil, Casulo, João Santos, Walmir Viera e Jairo Periafricania, passaram por três palcos do evento. É a periferia mostrando a sua cara.
Nenhum comentário:
Postar um comentário